Cultura | 25.12.2009
Livro reaquece debate sobre ligação do filósofo Heidegger com o nazismo
Martin Heidegger tornou-se membro oficial do NSDP em 1933, ajudou a expulsar professores judeus da Universidade de Freiburg e fez discursos em favor do nazismo. Apesar disso, um grande pensador?
O recente lançamento em inglês de um livro do filósofo Emmanuel Faye reacendeu um debate persistente: a filosofia do alemão Martin Heidegger (1889-1976) pode ser separada de seu envolvimento com o partido nazista? Apoiado em escritos não publicados, do período em que Heidegger era reitor da Universidade de Freiburg, o autor francês defende a tese de que o comprometimento com o nazismo permeia o pensamento do filósofo.
Heidegger, l'introduction du nazisme dans la philosophie foi lançado na língua original em 2005. Faye propõe que se removam as obras heideggerianas das bibliotecas de filosofia, e que sejam discutidas nos cursos universitários – no melhor dos casos – sob a categoria "História do nazismo".
Caso aceita, tal proposição traria consequências significativas para pesquisadores e estudantes em diversas áreas. As principais publicações de Martin Heidegger – por exemplo, Ser e tempo (1927) ou O que é isso – a Filosofia? (1954) – influenciaram pensadores como Jean-Paul Sartre, Michel Foucault e Hans-Georg Gadamer, e são leitura obrigatória para estudantes avançados de filosofia, arquitetura, arte e literatura.
Apenas lamentável aberração?
Bildunterschrift: Heidegger atuou intensamente na Universidade de Freiburg
Estudiosos da Europa e América do Norte concordam que Heidegger se envolveu em atividades pró-nazistas na década de 1930. Ele se tornou membro oficial do partido nazista alemão em 1933, ajudou a expulsar professores judeus da Universidade de Freiburg e fez diversos discursos em favor do nazismo.
No entanto, o debate tendia a concentrar-se mais em se as ações políticas de Heidegger teriam implicações para sua filosofia ou se deviam ser vistas como lamentáveis aberrações.
Antes mesmo de sua publicação em inglês, o livro de Faye causara ondas de polêmica nos Estados Unidos. Num ensaio intitulado "Heil Heidegger!", publicado na The Chronicle Review em outubro de 2009, o crítico Carlin Romano insulta o alemão de "Tagarela da Floresta Negra", acusa-o de "fraude", "superestimado em seu tempo" e "bizarramente venerado por acólitos até agora".
Em contrapartida, o autor Hassan Givsan afirma que, diante do enorme volume da produção heideggeriana, é difícil chegar a uma conclusão definitiva sobre sua visão do nazismo. Givsan publicou em 1998 um livro sobre a noção de inumanidade na obra do filósofo alemão.
Dos 120 tomos redigidos por Heidegger, somente cerca de 80 foram publicados, portanto qualquer interpretação está exposta à acusação de ser seletiva, um problema que igualmente se aplica à publicação de Emmanuel Faye. E os resultados das discussões pelos filósofos dos países de língua alemã permanecem ambivalentes, observou Givsan em entrevista à Deutsche Welle.
Pensamento e ação
Rainer Thurnher, da Universidade de Innsbruck, na Áustria, também escreveu sobre o filósofo alemão. Ele argumenta que talvez o horror que o regime nazista iria gerar mais tarde ainda não fosse aparente em 1933, quando Heidegger se filiou ao NSDP.
"Se analisarmos o cerne da ideologia nazista – isto é, suas teorias sobre raça, antissemitismo, darwinismo –, não encontramos as mesmas atitudes no pensamento heideggeriano. Na realidade, se considerarmos suas aulas sobre Nietzsche, Heidegger trata desses elementos de forma abertamente crítica."
Assim, Thurnher insiste que o filósofo não seja reduzido a seu envolvimento temporário com o nazismo. Ao contrário: ele o vê como um pensador profundo, que produziu uma mudança de paradigma, ao abrir novas possibilidades e perspectivas para a filosofia ocidental.
Só que, para Givsan e outros estudiosos, são precisamente essas novas perspectivas o aspecto mais questionável. Em vez de se concentrar na atuação política de Heidegger, como Faye, Hassan Givsan enfoca, em seu livro, os aspectos inumanos das próprias obras publicadas de Heidegger, pois para ele as ações políticas "são, na verdade, apenas a ponta do iceberg".
Autor: Greg Wiser (av)
Revisão: Roselaine Wandscheer
Revisão: Roselaine Wandscheer