Autobiografia revela a submissão
de Pagu ao Partido Comunista
Jerônimo Teixeira
|
Uma aura heróica envolve a figura da escritora Patrícia Galvão (1910-1962). Os vanguardistas admiram a autora do romance experimental (e engajado) Parque Industrial. As temporadas como prisioneira política do governo Getúlio Vargas tornam Pagu, como ficou conhecida, um ícone de esquerda. E sua ousadia e independência lhe conferem um charme feminista. Mas Paixão Pagu (Agir; 160 páginas; 29,90 reais), um texto autobiográfico escrito em 1940 e só agora publicado, revela uma mulher submissa. Submetia-se aos caprichos do escritor Oswald de Andrade, com quem foi casada de 1930 a 1934. E submetia-se, sobretudo, aos ditames autoritários do Partido Comunista Brasileiro. Por ordem do partidão, até prestou favores sexuais a homens de quem esperava obter informações estratégicas.
O texto de Paixão Pagu é uma longa carta destinada ao escritor Geraldo Ferraz, segundo marido da autora (se não contarmos um primeiro casamento arranjado apenas para que ela deixasse a casa dos pais). No relato da ex-mulher, o modernista Oswald aparece sob uma luz ambígua: Pagu ao mesmo tempo admira e odeia sua brutal honestidade. Falastrão, o poeta antropófago gabava-se de suas escapadas sexuais. Pagu não se sentia confortável nesse casamento aberto. Chegou a ter nojo do marido: "A sua boca lembrava-me continuamente um sexo feminino que eu fosse obrigada a beijar".
A vida literária parecia entediar Pagu. Em visita a Buenos Aires, em 1930, conviveu com o famoso círculo da revista Sur, que incluía o escritor argentino Jorge Luis Borges, mas não saiu impressionada. "Borges quis se despir no meu quarto cinco minutos depois de me conhecer. Fazer lutinha comigo. Gente sórdida", relata. O episódio é estranho, considerando-se a notória dificuldade que Borges tinha com o sexo oposto. A verdadeira paixão de Pagu era a política. Comunista fervorosa, aceitou imposições absurdas: em 1932, afastou-se de Oswald e de Rudá, o filho pequeno, para levar uma vida proletária no Rio de Janeiro (vida familiar e amor materno constituíam um "desvio pequeno-burguês"). Mais tarde, a serviço de um órgão do PCB conhecido como Comitê Fantasma, ela se converteu numa "Mata Hari provinciana", em suas palavras. Tal como a famosa espiã, usou o sexo para obter informações. Conta ela sobre o homem a quem se entregou numa dessas missões: "Deixou-me como se deixa uma meretriz. Fiquei enrolada, tremendo de frio, nos restos do roupão".
O livro é um testemunho estarrecedor sobre a psicologia de uma militante comunista. Nada parecia capaz de abalar a fé cega que Pagu tinha no partido. A única nota de desilusão aparece na visita à União Soviética, em 1934. Na Praça Vermelha, em Moscou, uma menina famélica pede esmola a Pagu ela que imaginava não existirem crianças pobres no paraíso terreno de Stalin. Significativamente, é o último episódio narrado em Paixão Pagu.
|